quarta-feira, 29 de abril de 2009

Sobre a opinião universal, segundo Schopenhauer

Só os melhores dizem, com Platão: “os muitos têm muitas opiniões”, isto é, o Vulgus tem muitas lorotas na cabeça, e quem desejar livrar-se delas terá muito trabalho pela frente.
A universalidade de uma opinião, se falamos a sério, não é uma prova nem um indício da veracidade. Os que afirmam isso devem admitir que a distância no tempo priva aquela universalidade de sua força probatória; do contrário deveriam estar em vigor todos os antigos erros que num tempo eram universalmente considerados verdade. Por exemplo, seria preciso aceitar de novo o sistema ptolemaico ou, em todos os países protestantes, o catolicismo; 2) que a distância no espaço produz o mesmo efeito, do contrário, a diversidade de opinião entre os que professam o budismo, o cristianismo e o islamismo os poria em apuros.
O que se chama de opinião geral reduz-se, para sermos precisos, à opinião de duas ou três pessoas; e ficaríamos convencidos disto se pudéssemos ver a maneira como nasce tal opinião universalmente válida. Então descobriríamos que, num primeiro momento, foram dois ou três que pela primeira vez as assumiram e apresentaram ou afirmaram e que os outros foram tão benevolentes com eles que acreditaram que as haviam examinado a fundo; prejulgando a competência destes, outros aceitaram igualmente essa opinião e nestes acreditaram por sua vez muitos outros a quem a preguiça mental impelia a crer de um golpe antes que tivessem o trabalho de examinar as coisas com rigor. Assim crescem dia após dia o número de tais seguidores preguiçosos e crédulos.
De fato, uma vez que a opinião tinha um bom número de vozes que a aceitavam, os que vieram depois supuseram que só podia ter tantos seguidores pelo peso concludente de seus argumentos. Os demais, para não passar por espíritos inquietos que se rebelam contra opiniões universalmente admitidas e por sabichões que quisessem ser mais espertos que o mundo inteiro, foram obrigados a admitir o que todo mundo já aceitava. Nesse ponto, a concordância torna-se uma obrigação. E, de agora em diante, os poucos que forem capazes de julgar por si mesmos se calarão, e só poderão falar aqueles que, totalmente incapazes de ter uma opinião e juízo próprios, sejam o eco das opiniões alheias. E estes, ademais, são os mais apaixonados e intransigentes defensores dessas opiniões. Pois estes, na verdade, odeiam aquele que pensa diferente, não tanto por terem opinião diversa daquela que ele afirma, quanto pela sua audácia de querer julgar por si mesmo, coisa que eles nunca poderão fazer, sendo por dentro conscientes disto.
Em suma, são muito poucos os que podem pensar, mas todos querem ter opiniões. E que outra coisa lhes resta senão tomá-las de outros em lugar de formá-las por conta própria? E, dado que isto é o que sucede, que pode valer a voz de centenas de milhões de pessoas? Tanto, por exemplo, quanto um fato histórico que se encontre em cem historiadores, quando se constata que todos se copiaram uns aos outros, com o que, enfim, tudo se reduz a um só testemunho. “Eu digo, tu dizes e, no fim, o diz também ele; depois de dar-lhe tantas voltas, ninguém mais vê aquilo que se disse”.



Trecho do livro: "Como vencer um Debate sem Precisar Ter Razão"