Nada mais perigoso do que o uso das palavras. Já os sofistas[1] na Grécia Antiga perceberam a importância da linguagem, especializando-se na retórica. “Nos tempos antigos, quando a persuasão constituía uma força pública, impunha-se a eloqüência. De que serviria hoje, quando a força pública substitui a persuasão?”, escreveu Rousseau.[2] Ele não poderia imaginar o alcance dos meios modernos de persuasão.A obra de George Orwell mostra a estreita conexão entre liberdade e linguagem. Políticos e burocratas autoritários tendem a metamorfosear as palavras, mascarando ou destituindo-as do seu significado real. O burocrata patológico faz questão de dominar os códigos, os segredos inseridos nas entrelinhas e especializar-se, a ponto de as pessoas temerem-no. O político populista-autoritário usa frases pomposas. “A linguagem política”, escreveu Orwell, “destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez”.[3]A corrupção da linguagem é essencial para a manutenção da dominação política. Na novilíngua (newspeak), as palavras falseiam a verdade. O indefensável ganha a áurea de sagrado. A mais simples dúvida constitui uma crimidéia. Assim, o Ministério da Verdade tem a função de forjar a verdade do poder. O Ministério do Amor mantém a lei e a ordem através da tortura e da dor. No Ministério da Paz, trama-se a guerra. E o Ministério da Fartura produz falsas estatísticas e encobre a escassez.“Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”.[4] Eis o duplipensar: a realidade histórica é e não é conforme os interesses do partido. Segundo a vontade do Estado, os registros históricos são suprimidos; mata-se o indivíduo, eliminando qualquer referência ao mesmo.George Orwell não poderia imaginar que o Big Brother se tornaria personagem de TV, com grande índice de audiência. A crítica à vigilância permanente, ao controle do indivíduo pelo Estado, à aniquilação da liberdade, perde-se no glamour dos artistas televisivos. O conceito orwelliano do Big Brother é removido da história.E já que tratamos das palavras, sempre é bom fazê-lo com carinho. Armamos armadilhas contra nós próprios quando nos aventuramos a esgrimir as palavras como armas inerentes à defesa das idéias. Escrever é se expor à crítica – justa ou injusta, pouco importa; escrever é correr o risco de ser manipulado, mal-interpretado e incompreendido. Escrever é correr o risco de fazer inimigos e perder os amigos. [1] A propósito, sofista (do grego, sophistés) originalmente significava sábio; posteriormente adquiriu o sentido de impostor (derivado do latim sophista).
[2] Ver: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. 198. (Os Pensadores)
[3] ORWELL, George. “Politics and the English Language”. A Collection of Essays Nova York, Doubleday, 1954. Citado in: NASH, Paul. Autoridade e liberdade na educação. Rio de Janeiro, Edições Bloch, 1968, p. 100.
[4] ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998, p. 36.

